Dever de Informação na Relação Médico x Paciente
A relação médico-paciente ao decorrer dos anos mudou e mudou muito. Aquele médico da família que tratava de tudo e de todos deixou de existir. Se tempos atrás os médicos atendiam seus pacientes já conhecidos em consultas que eram realizadas com calma, com longas conversas que, por vezes, vagavam por outros assuntos, atualmente, deram espaço para agendas lotadas, consultas rápidas e impessoais.
De um lado estão os médicos em seus inúmeros atendimentos, de outro, os pacientes que com seus celulares em mãos chegam para as consultas com pré-diagnóstico obtidos em informações retiradas da internet e no meio de tudo isso está a relação médico-paciente acendendo a luz de alerta.
Isto porque, na relação médico paciente, o dever de informação não está relacionado somente ao informar, mas também, ao fazer-se entender. Assim como em todas as atividades, na medicina existem termos técnicos que, embora sejam conhecidos pelos profissionais da área, para os pacientes são expressões totalmente desconhecidas.
Cumprir com o dever de informação não é somente informar, mas explicar e deixar o paciente ciente de suas enfermidades, das formas e opções de tratamento, dos riscos e dos benefícios envolvidos. Em posse destas informações, devidamente explicadas pelo médico, o paciente poderá exercer outro importante princípio bioético, o da autonomia de vontade ou recusa terapêutica. Em outras palavras, diante das informações esclarecidas é que o paciente poderá escolher qual tratamento irá se submeter ou até mesmo poderá recusar a se tratar.
Para embasar o citado acima, acerca do princípio da Informação e da Autonomia do paciente, colaciona-se o ensinamento de Eduardo Dantas que em sua obra Direito Médico, cita:
A relação médico x paciente tem um de seus pilares atuais no dever de informação, mais precisamente, na obrigação de o médico prestar ao enfermo, ou a quem por ele responda, todas as informações possíveis para que este possa exercer direito seu, amparado em um dos princípios bioéticos mais importante, o da autonomia, ou seja, a possibilidade de dispor de seu próprio destino, decidindo que tratamento irá (se) permitir, embasado em informações claras e precisas sobre os riscos e benefícios possíveis, advindo de sua decisão[1].
Sob o amparo jurídico, o dever de informação encontra-se previsto no artigo 5º, inciso XIV, da Constituição Federal de 1988, que garante que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.
Em legislação infraconstitucional, o Código de Defesa do Consumidor, nos artigos 8º[2] e 9º[3], também, assegura aos consumidores o direito à informação sobre os produtos e serviços que lhe são oferecidos e, ainda, o Código de Ética Médica nos artigos 22[4], 34[5], 101[6], 103[7] e 110[8] também preveem sobre o assunto.
Neste sentido, aplicando as normas citadas nas relações médico-paciente, cabe ao médico prestar todas as informações necessárias de forma clara e precisa para que o paciente ou seu responsável legal, após confirmar que entendeu todas as informações, possa exercer sua autonomia de vontade.
O que se pretende aduzir é que o médico além de cumprir com seu deve maior de assistir ao paciente, cabe também a sensibilidade de perceber se conseguiu fazer-se entender em todas as situações e com todo e qualquer paciente. Ou seja, sendo cada paciente um indivíduo único, cada Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, por exemplo, também deve ser personalizado.
Cabe ressaltar que Termos de Consentimentos Livre e Esclarecido, receituários médicos e prontuários incompletos, genéricos e ilegíveis muitas vezes são questionados junto ao Poder Judiciário e aos Conselhos de Ética Médica que, geralmente, entendem como infração do médico atribuindo condenações pelo descumprimento do dever de informar.
Sobre o dever de informação, em julgamento realizado em 02 de agosto de 2018, acordaram a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.540.580:
RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO POR INADIMPLEMENTO DO DEVER DE INFORMAÇÃO. NECESSIDADE DE ESPECIALIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO E DE CONSENTIMENTO ESPECÍFICO. OFENSA AO DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO. VALORIZAÇÃO DO SUJEITO DE DIREITO. DANO EXTRAPATRIMONIAL CONFIGURADO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. BOA-FÉ OBJETIVA. ÔNUS DA PROVA DO MÉDICO.
1. (...).
3. O dever de informação é a obrigação que possui o médico de esclarecer o paciente sobre os riscos do tratamento, suas vantagens e desvantagens, as possíveis técnicas a serem empregadas, bem como a revelação quanto aos prognósticos e aos quadros clínico e cirúrgico, salvo quando tal informação possa afetá-lo psicologicamente, ocasião em que a comunicação será feita a seu representante legal.
4. O princípio da autonomia da vontade, ou autodeterminação, com base constitucional e previsão em diversos documentos internacionais, é fonte do dever de informação e do correlato direito ao consentimento livre e informado do paciente e preconiza a valorização do sujeito de direito por trás do paciente, enfatizando a sua capacidade de se autogovernar, de fazer opções e de agir segundo suas próprias deliberações. 5. Haverá efetivo cumprimento do dever de informação quando os esclarecimentos se relacionarem especificamente ao caso do paciente, não se mostrando suficiente a informação genérica. Da mesma forma, para validar a informação prestada, não pode o consentimento do paciente ser genérico (blanket consent), necessitando ser claramente individualizado.
6. O dever de informar é dever de conduta decorrente da boa-fé objetiva e sua simples inobservância caracteriza inadimplemento contratual, fonte de responsabilidade civil per se. A indenização, nesses casos, é devida pela privação sofrida pelo paciente em sua autodeterminação, por lhe ter sido retirada a oportunidade de ponderar os riscos e vantagens de determinado tratamento, que, ao final, lhe causou danos, que poderiam não ter sido causados, caso não fosse realizado o procedimento, por opção do paciente.
7. O ônus da prova quanto ao cumprimento do dever de informar e obter o consentimento informado do paciente é do médico ou do hospital, orientado pelo princípio da colaboração processual, em que cada parte deve contribuir com os elementos probatórios que mais facilmente lhe possam ser exigidos.
9. Inexistente legislação específica para regulamentar o dever de informação, é o Código de Defesa do Consumidor o diploma que desempenha essa função, tornando bastante rigorosos os deveres de informar com clareza, lealdade e exatidão (art. 6º, III, art. 8º, art. 9º).
10. (...). [Sem grifo no original]
Nos termos da decisão acima, verifica-se a importância do dever de informação na relação médico-paciente, visto que, apenas com as informações claras e precisas é que o paciente poderá exercer sua livre escolha de prosseguir ou não com o tratamento. Ao médico cabe a sensibilidade de perceber em cada paciente o grau de cognição individual, pois, as informações são absorvidas diferentemente por cada pessoa.
Ademais, documentos com informações claras e precisas além de garantir que o paciente ou seu representante legal possa exercer sua autonomia de vontade, também serve como provas de que o médico cumpriu com seu dever de informação em eventual ação judicial ou processo ético-profissional.
Considerando que o ônus da prova quanto ao dever de informação cabe ao médico ou ao hospital, ressalta-se a importância de elaborar Termos de Consentimento Livre e Esclarecido individualizados para comprovar que todas as informações foram devidamente prestadas, esclarecidas e consentidas.
Em sentido inverso, importante ressaltar que a relação médico x paciente é uma via de mão dupla, isto é, o dever de informação também vincula o paciente ou seu representante legal a repassar ao médico as informações relacionadas à morbidade atual e pregressa, pois, somente em posse de todas as informações o médico poderá conduzir diagnóstico, orientações e apresentar as melhores opções terapêuticas.
Entre o médico e paciente é imperiosa que a relação seja moldada com base em 04 (quatro) princípios básicos que serão sinteticamente explicitados abaixo: reciprocidade, confiança, autoridade e ética.
Autoridade: cabe ao médico demonstrar e comprovar ao paciente ou seu representante legal que possui o conhecimento e experiência necessários para indicar e realizar o melhor tratamento possível;
Confiança: paciente deve confiar que todas as informações, orientações e tratamentos prescritos pelo médico são para seu benefício e o médico deve confiar que o paciente ou seu representante legal seguirão as prescrições para atingir o melhor resultado possível;
Reciprocidade: é a relação de “troca” que deve existir entre médico e paciente que se inicia desde o primeiro contato no aperto de mãos e que deve permanecer até o final do tratamento. O entendimento, a troca, o cuidado deve ser recíproco;
Ética: é o agir com respeito, educação, moral, responsabilidade que devem ser a base das boas relações humanas.
Como se pode observar, a intenção deste capítulo não foi esgotar o assunto, mas trazer ao debate, pois, verifica-se que o Dever de Informação, garantia constitucional, representa para o paciente ou seu representante legal o acesso a informações claras e precisas para poder exercer sua Autonomia de Vontade como também demonstra o dever do paciente ou seu representante legal em também informar o médico sobre a morbidade atual e pregressa.
Em outras palavras, a troca de informações entre médico-paciente comprovados em documentos personalizados, claros e legíveis além de servir como meio de prova ao médico de que cumpriu com o Dever de Informação, garante ao paciente ou seu representante legal uma melhor conduta terapêutica e, ainda, retoma aquele sentimento de confiança mútua nas relações médico-paciente.
Em suma, o dever de informação além de possibilitar e garantir ao médico e ao paciente ou seu representante legal o recebimento de todas as informações de forma clara e precisa sobre a conduta terapêutica, faz ressurgir a relação médico-paciente que em razão da correria do dia-dia e do avanço da tecnologia vem, perigosamente, sendo deixado em segundo plano.
[1] Dantas, Eduardo. Direito médico / Eduardo Dantas – 4. ed. rev. ampl. e atual. -Salvador: Editora JusPodivm, 2019. Página 105
[2] Art. 8º Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.
[3] Art. 9º O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.
[4] Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.
[5] Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico,
os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.
[6] Art. 101. Deixar de obter do paciente ou de seu representante legal o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, após as devidas explicações sobre a natureza e as consequências da pesquisa.
[7] Art. 103. Realizar pesquisa em uma comunidade sem antes informá-la e esclarecê-la sobre a natureza da investigação e deixar de atender ao objetivo de proteção à saúde pública, respeitadas as características locais e a legislação pertinente.
[8] Art. 110. Praticar a Medicina, no exercício da docência, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, sem zelar por sua dignidade e privacidade ou discriminando aqueles que negarem o consentimento solicitado.
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